terça-feira, 15 de janeiro de 2013

                                                                           
  

 Como as aguas ainda estão ainda turvas na Fossa do Baluarte, ainda não houve a solene inauguração, vou – vos  entretendo-vos com algumas historias verdadeiras  , para desanuviar as ideias.
Assim mostrarei que a boa vontade que agora me teem  , e’ a continuação das  boas vontades que desde os meus    13 anos de idade , os senhores de Peniche me mimoseavam em todas as circunstancias que me pudessem pegar.


                                               O meu Tomiks


               Naquela noite     escura sem uma única estrela , o  vento redopiando á volta de mim com a espuma da agua do mar em flocos húmidos e frígidos que ensopavam toda a roupa que eu vestia  e de vez em quando uns aguaceiros  que a forca do vento lançava como laminas cortantes contra a minha cara , era  um cenário dantesco que  eu tinha que aguentar impávido e sereno pois estava em terra vigiando a embarcação que me dava  trabalho e pão a mim e á minha Família .
              No brandal dançando na cristas das ondas que na altura descabelavam dentro do Porto de Peniche a Bairrista  e os meus dois colegas moços de bordo estavam de olho á viva verificando se o nosso barco ia de garra para a praia dos Medões . Se houvesse alguma traineira que fosse de garra eu e os outros moços das mais  de cinquenta  traineiras que estavam matriculadas no Porto de Peniche  saíamos nas nossas lanchas em grupos de quatro homens para podermos ajudar e pôr motores a trabalhar para  se necessário socorrer quem precisasse de ajuda .
              A maré vazia ,de enchente ainda complicava mais  as operações  dentro do Porto .
Algo porem já  havia mais de meia hora que me estava a intrigar . Uns ganidos de um cão que eu pensava que estava amedontrado com a fúria da tempestade  e cada vez que me aproximava das ameias do Forte das Cabanas para observar a posição da minha traineira eu queria-me parecer que os uivados vinham das pedras que estavam junto ao  sopé das muralhas e na linha de água .
              Depois de algumas indecisões , vou não vou , decidi investigar se de facto o pobre animal ,  por qualquer motivo tivesse caído ao mar da sua embarcação  e se encontrava nalguma cova entre as rochas e não podia sair do local aonde possivelmente estaria encurralado .
              Nas pedras escorrega dias e o mar revoltoso pensei que me  tinha metido num bom sarilho  mas consegui localizar um pequeno cão depois de algumas tentativas que entre duas pedras tentava sem sucesso ,sair do lugar que talvez escorregando ao tentar subir para cima das pedras escorregou e fico entalado entre duas grandes rochas  
O focinho estava entalado   na parte superior da frincha  que em cima era muito estreita mas que se tornava mais larga consoante
a distancia das pedras estavam entre si .
              Deste modo o cão com o focinho entalado sem o poder mexer . com as costelas entaladas entre as pedras  e sem apoio nas patas e mãos morreria se eu não tentasse tira-lo daquela difícil  situacão .
A maré subia  e eu pouco tempo teria para o salvar e como não vinha a bem tinha que vir a mal , o seu corpo não ficaria ali para ser submergido pelas águas do mar .
              Abri as pernas e com  um pé em cada pedra comecei a puxa-lo da rocha mas ele não queria sair até que fazendo uma força medonha que o meu Deus nessa ocasião me deu, consegui leva-lo  abraçado  a mim  e depositei-o no chão para poder subir para o baluarte .
              Quando acabei de subir já ele tinha desaparecido .
Como estava com o peito , os braços e as pernas das calças cheias de sangue fui as casas de banho, sanitas , para á luz eléctrica ver a situação em que me encontrava e preguei um susto ao funcionário das retretes  o Sr José ? Ferralejo  que ao ver-me naquela lástima pensou logo no pior .
              Contei-lhe a história  .
Quase me esqueci logo do cão que a estas horas já estaria á porta dos donos para verem a lástima que ele se encontrava .

               Levei quase três  meses sem me servir das casas de banho mas quando precisei o Sr José disse-me logo de chofre :
Manuel salvastes o cão de morrer afogado mas ele agora vai ser morto no Canil pois a policia já me disse que quando sair a carroça vão o levar para ser abatido !   
              Fiquei estático durante alguns minutos e quando consegui falar  perguntei ao   Sr. José :
Mas então o cão não foi para casa ?
 Não . Ele ficou sempre comigo , ele não devia compreender português pois eu chamava-o  e dizia ,toma  , anda cá e ele não compreendia nada que eu dizia , certamente era de algum barco lagosteiro francês pois  estavam diversos no porto nesse noite .
Ele estava todo rasgado nas  costelas  e focinho ,eu tratei com mercúrio e ele conseguiu sobreviver mas agora vai ser morto ! .
              Eu tinha combinado acompanhar   a minha Mulher a Lisboa para ela ir vender as rendas de Peniche que  fazia e outras que comprava -mos e eu quando tinha o barco encalhado ia com ela vender a pessoas amigas para fazermos mais algum dinheiro .
Disse ao Sr. José que dissesse "a policia que eu ficava com o cão mas que tinham de esperar que eu viesse . Diga-lhes que o Manuel Joaquim Leonardo se responsabiliza por o cão .
Por sinal a carroça saiu e foram lá mas disseram-lhe ,  se para a próxima vez o cão ainda lá  estivesse que o levavam logo.
               E aqui começou a Saga .
               Quando regressei de Lisboa fui logo buscar o cão que entretanto deveria ter cerca de sete , oito  meses de idade .
Com o  tempo primaveril anunciando  bom tempo pensei em fazer uma barraca de madeira para que o nosso Tomiks se sentisse confortável . Fui  também tirar-lhe a licença e foi logo vacinado.  Foi logo baptizado mas desapareceram os seus papeis do baptismo e nunca mais nos lembramos quem foi o seu padrinho.
Sentindo-se preso nessa noite a nossa vizinhança ouvi os seus ganidos e para surpresa nossa  também a nossa vizinha porta com porta que era a Sra visitadora que tomava conta do que se passava no Bairro se chegou a nós e disse que nós não podíamos ter o cão pois a incomodava imenso .
Tentei explicar-lhe que o animal não estava acostumado a estar preso mas que dai a duas semanas já estaria habituado e já não incomodaria ninguém . Também não o podíamos ter de noite junto de nós pois era contra os regulamentos , etc etc.
                 Passado duas semanas disse-me que eu tinha que dar o cão ou se não ia fazer queixa de mim.
E foi ! Recebi ordem de despejo num prazo de um mês se mantivesse o cão em casa
Com uma calma Santa tentei ainda convencê-la  até  que a um certo ponto da nossa conversação fiz-lhe notar :
Desculpe-me minha Sra , se o meu Tomiks soubesse tocar viola se tivesse uma voz agradável e lhe cantasse umas serenatas á sua janela  a senhora ficaria encantada com ele , mas ele infelizmente só sabe latir  !.
A senhora disse-me que eu a a estava a ofender !
 Ela era ainda  virgem como em certas partes do Norte Central  de Portugal chamam a uma Mulher que mesmo tendo filho é considerada virgem pois não é casada !.
                  Fui logo a Lisboa tentar modificar esta terrível  sentença , só que todos os meus Amigos me diziam que o Capitão na Capitania tinha  autonomia para impor as suas leis  e ninguém as podia revogar .
Consegui que o Tomiks fosse para casa de uma Senhora que até era a mais rica da antiga Aldeia de Ferrel Sra Dona Encarnação Foi com imensa pena e raiva em mim contida para não  agravar mais as lamentações de meus filhos e Mulher que vimos o nosso Tomiks partir .
Passados três meses estava minha Mulher dentro de casa na cozinha e viu um cão meter  o focinho entre a rede. 
Enchutou o cão e dai a momentos  o animal meteu de novo o focinho e a minha Genovesa disse para com ela : parece o focinho do meu Tomiks e abrindo a rede chamou : Tomiks  mas o animal não atendeu pelo nome . Ao olhar mais demoradamente para o animal que estava muito magro tendo-lhe caído até o lindo pêlo preto que fazia o encanto de quem o via
Vendo a nossa vizinha Mariete a mãe  do Joaquim , Luís  e da São  Santana  que estava á porta de sua casa disse-lhe :
Mariete está aqui um cão á minha porta que perece o meu Tomiks.
Olha retorquiu : lhe  Marieta , esse cão estava na praia de Peniche de Cima com um ferralejo a apanhar limo e o cão veio atrás de mim ,Ela também não tinha reconhecido o Tomiks.
         No dia seguinte viemos a terra e ao chegar a casa vim encontrar um cão que quase não conhecia , tal era o estado que o animal tinha chegado . Conversando com a minha Genovesa na presença dos nossos filhos disse- lhe :
 Vamos fazer um pacto se não nos deixarem ficar com o cão , vamos procurar casa para viver-mos,nunca mais vamos dar o nosso Tomiks a alguém , concordas ?
A minha Mulher resolutamente disse-me , sim nunca mais vamos dar o nosso Tomiks se tivermos de arranjar casa vamos embora daqui .
        Para nos pescadores seria uma atitude  complicada pois pagávamos oitenta e oito escudos por mês de renda na casa dos pescadores e se tivéssemos de alugar outra casa pagaríamos três vezes mais do que pagávamos no bairro mas seria o que o meu Deus quisesse .
        Fui a porta da casa da senhora visitadora e bati  sem querer na porta com uma forca aterradora ,tal era a minha emoção .
Por acaso ela estava em casa  e de dentro perguntou um pouco amedrontada quem era .
Identifiquei-me e ela abriu  a porta .
Com o meu Tomiks ao meu lado perguntei-lhe , conhece que cão e este ?
 -Não tenho a certeza mas parece-me o Tomiks
Sim de facto e o Tomiks , vê bem o estado em que ele  ficou ?
Pois fique a saber , o meu cão só sai daqui quando  formos nos também . Pode ir  a Capitania já e traga uma ordem de despejo da casa que nos dentro de dois meses vamos-nos embora e a sra ficara para o resto da sua vida gozando a sua boa acção.
Nunca chegou a ordem de despejo e o nosso Tomiks  viveu durante muitos anos uma felicidade merecida sendo considerado a Pérola da visinhanca  e ate um dia a sra visitadora fez-nos uma proposta  : Não me importava de ficar com o Tomiks, vocês não mo querem dar ?
Anos depois emigramos  e o meu Tomiks teve novamente uma triste Historia mas essa não me apetece  agora infelizmente continuar a contar  .
Manuel Joaquim Leonardo   
Vancouver Canada    5-12- 2006

P.S.
Argumentei esta  historia real para ser publicada no blogue Caldeirada  Penicheira mas como era muito longa ,muito gentilmente o editor fez me ver que não era publicável .
Entretanto esse Blogue terminou e nunca cheguei a saber quem era o seu editor

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